31.8.06

Posta-se em frente ao carro
e então dança,
já que não sabe o malabarismo.

Dança uma dança confusa,
que dos pés movediços,
percebo a música que não está.

Dança de uma necessidade
sem arte alguma, e ainda assim
fazendo daquilo arte.

Samba um samba tosco e bruto
Um híbrido convulso,
Uma verdade irrequieta.

Samba a fome do fim da tarde,
A aspereza do asfalto;
Samba o concreto, sem samba algum.

E eu me percebo dançando com ela,
num semáforo fechado,
no seu baile de 15 anos.

Os automóveis piscando luzes,
daquelas azuis dos carros importados.
Nós dois descalços, famintos.

Então distinguimos bandejas de salgados,
Canapés, tortinhas, caldos.
Daí doces, bolos, sorvete.

E atacamos a opulência como animais.
Matamos o frango desfiado pela segunda vez.
Mergulhamos com a cara no bolo.

Bebemos bebidas caras,
Rodamos apoiados um no outro.
Caímos feito bêbados no chão.

Somos felizes.
Ela, porque finalmente pertence ao mundo.
Eu, porque me liberto dele.

Valsejamos aquele samba estranho,
Cheio de formas e cores,
Damos um caminho pra ele.

Cumprimentamos as pessoas
que sorriem sem esforço,
Cheias de dentes!

Então escondo uma mão no terno,
de onde tiro uma moeda pequena,
Ela guarda, linda, no decote do longo.

Aquietamos para medir a distância.
Entre o meu vidro francês
E a realidade dela.

Estamos felizes.
Ela, porque me vendeu um samba.
Eu, porque posso ser de novo.

28.8.06

tem caixinhos acomodados e pequenos de criança; uma mão gordinha; um sorriso de olhinhos apertados. Uma força enorme, sem músculo. Um olhar de poesia, claro quando faz sol; castanho quando tem lua. Uma vida toda pra passear descalço. Dois brinquedos que podem ser tudo. Um tapete pra brincar de carrinho, uma cama quente. Um abraço, O pequeno príncipe... então cama. De Sonhar na cama. E xixi na cama. Amanhecer, fazer bagunça no banho, tomar café falando aquela língua engraçada das crianças. Pedir coisas estranhas como comer só ketchup, ou ir passear num cenário inventado que viu na TV. Fazer amiguinhos que falam a mesma língua engraçada, mesmo que sejam de outro país. Que criança não tem pátria. Elas é que moram no Mundo...
... então nadar com ele no mar; mergulhá-lo nos braços. Soprar o rosto pra ele prender o ar; ensiná-lo a nadar. Ensiná-lo a crescer, a deixar...Ensiná-lo a ensinar-se. Brincar de castelo de areia; mostrar que a areia não é pra sempre...Mostrar que ter não é levar pra casa. Que se ele cuidar: a praia, a areia, o castelo, o tudo...ficarão lá. Que se pode guardar coisas sem caixas. Que somos ambos: luz e sombra. Que o bicho papão é solitário e não tem amigos. E que o mundo anda meio sem amigos também. Que temos medos, muitos. Mas que bolo e sorvete é gostoso demais. E ser criança é legal pra caramba. E que amamos muito ele todo. E quem sabe até deixar ele ver umas porcarias na tv de vez enquando, não porque é bom, mas porque a gente sabe que é ruim, e vê mesmo assim. E porque ele precisa saber, ainda que aos poucos, que o mundo é cheio de porcaria barata que custa caro. Que o mundo é um geóide, e que isso não explica nada sobre o mundo. Que no Brasil se fala português e não espanhol. Que Plutão, sem que soubesse, já foi um planeta. E podemos explicar astronomia básica com uns poucos feijões e uma noz...montar, quem sabe o sistema solar em cima da mesa. Fingir que o umbigo dele é um buraco negro; e soprar até ele chorar de tanto rir...Rolar com ele no chão. Dizer que está tudo errado, mesmo que não saibamos o que é certo. Deixar ele escolher também. No ritmo que parecer melhor. Cantarmos pra ele. Deixar ele conhecer quem somos. Fazer cara torta, dar bronca. Deixar ele dar bronca na gente. Crescer junto. Até que a nossa língua fique parecida com a dele, e que a dele queira saber da nossa. Até que ele abra os nossos olhos pro mundo que ele vê. E que seja algo de novo nessa velharia reciclada. Que ele nos ensine de uma mesma linguagem algo diferente...
o mundo é um umbigo geóide; a gente: uma porção de feijões fradinhos. E deus, essa enorme noz de mentira que não se pode quebrar.

18.8.06

- Bem-vindo Nícolas a este blog!

- Ora obrigado!

- É um prazer tê-lo aqui!

- O prazer é todo meu!

- Como tem passado?

- Sabe como é, a vida é isso aí que você ta vendo...

- Um monte de merda.

- ...

- ...

- é...e também o que você não está vendo.




www.marioflamejante.blogspot.com

12.8.06

Eu freio e a verdade incide. Eu não faço sentido. Quantos semáforos ainda até tudo trocar-se pelos meios, e as coisas deixarem de ser. O Uno ao meu lado é uma moça de uns quarenta e tantos. Cabelo vermelho, sintético, afeito em um rabo firme e inerte. Sinto vontade de pedir uma informação, mas quanto ao trânsito não há maiores dúvidas. Pergunto qualquer coisa de dentro da minha estupidez:

- Essa aqui é a Paulista, não é?

no que ela ri um riso médio e transtornado de pena:

- Sim, ali é o MASP... - apontando para o óbvio redescoberto.

-Você acha que eu sou uma pessoa de quem se possa gostar?

Mas o semáforo, embora nos fosse o mesmo, abrira antes pra ela. E eu sobrava com uma avenida toda pra transpor sem uma resposta.

Em São Paulo, tudo é grande demais. Uma sensação mista de excesso e falta de espaço.
A cidade comprimindo o vidro do carro, querendo entrar. E uma avenida que sempre termina no mesmo lugar, me separando de alguma outra coisa.

10.8.06

Eu não me arrependo das coisas.

Elas só envelhecem.

1.8.06

tem dois lados o meu cubículo...
Então encosto o nariz nos recibos antes de organizá-los; cheiram a nada. O telefone tem esse cacoete de tocar em semi-pausas; intermitente; 2, 3 vezes por minuto. E eu não atendo, satisfeito! Estagiar é engraçado, como me é soprar sabão.
E as demais coisas que fazemos sem bem saber pra quê; sem bem se importar. Distraídos com as bolhinhas esféricas, macias, e provisórias. A graça que não se tem nas bolhas, mas na luz que se arrebenta no interior destas. Nos riscos refratados. Multifários, multiformes. De uma luz que sem suas bolhas não é mais que as gentes juntadas nas quinas das coisas. Entremeio esquisito entre a existência e a cognição.

Pois, e se um cachorro passasse correndo da copa, zoneando entre as pernas das pessoas preocupadas? e se pulasse nos arquivos, nos holerites, bagunçando com os salários? Que o presidente bonachão fizesse faxina por um dia; e a faxineira encontrasse no café alheio, o regozijo de sua mesma boca. Gasta e pouca. Que ela é a unica uniformizada. Embora escritório; a única. Uniformizando-se em quê? Em si? Em ser faxineira e só? Para que saibam:

- Ali vai a faxineira!
- Pois não é que só ela se veste assim?


Ali, apenas ela.
Uniformizada entre as demais faxineiras do mundo. Todas como que fantasiadas de realidade. Como que vivas figuras mortas. Luz, sem bolha alguma.

Os estagiários, as assistentes, as secretárias; vestem-se parecidos. Não há uniforme para cada um. São livres para serem quaisquer, já que condenados a serem parte.

O Róger, sócio-chefe-de-vendas ou algo assim, numa mistura de galo de briga, roqueiro aposentado, e Dino da Família-Dinossauro, dá um pito em uma das moças de pernas afiladas que escuta decepcionada consigo mesma. Não tem raiva dele, pede desculpas, sabe que ele pertence àquela parcela do mundo que comprou a verdade e a detém entre os dentes. Daqueles que sabem fazer sua equipe, campeã! que escrevem livros de aconselhamento admnistrativo, e que saem na capa com uma bola de futebol, aproveitando que a sua publicação concomitara com a copa.

Um vendedor diz que deciciu que a esposa não seria modelo, pra que pudesse acompanhar sua vida, seu sonho. Decidira por ela, que esta não teria sonhos. Apenas um, sugerido pelo mesmo; que fosse cabelereira. Que fosse mulher apenas. E que fosse; apenas.

Há sempre um campeão de vendas que sorri o bom sucesso, há sempre o cheiro de café gratuíto, há sempre um "como está?" sem bem querer saber. Sempre estagiários-sonho. Sempre chão encarpetado, e a porção humana que vende algo que não pode comprar. Adquirindo algo menor que o desejado.

"Eu sou o filho do Aguinaldo. Sou filho do dono da empresa. Sou minha juventude querendo ir embora. A descendência do que eu desconheço. Sou sangue, sou fraco, sou bunda. De levar na bunda quando acorda. Sou mais uma bunda no mercado de trabalho. Sentada no banco; do carro, da praça, da escola. Do ônibus, do avião, do helicóptero. Sentado no vaso, na grama, na cama. No escritório. No espaço, sem espaço, no nada. Sou bunda assalariada e útil. Sou belo como um quadro quatrocentista. Sou equilibrado, e bravo. Tenho textura, relevo, volume. Apoio-me sobre uma perna. Sou colorido, tenho sorriso e melancolia num mesmo. Tenho asas esbeltas de tinta.

Sou o centro dos quadros desimportantes. Protagonista dos livros não publicados. Sou presidente de uma ilha malvina, sou dono do tempo. E escravo da minha aurora. "