19.8.10

memória

escorrega debaixo do meu nariz o que eu havia pensado pela manhã. e os cachorros estão lá de novo cagando no tapete pra eu pisar. porque não sei se vocês sabem que cachorro caga no tapete pra você pisar. é um lance da natureza, você pisa, carrega, espalha, e fertiliza o azulejo. outra coisa curiosa é o mofo. eu esqueci as joelheiras molhadas dentro de um saco plástico e elas ficaram verdes. daí também o alívio de lembrar que algumas coisas são iguais mesmo na distância. quando eu abri a geladeira vi que o peito de peru estava meio amarelado, com umas bolinhas brancas, que é igual a como ficava o peito de peru na geladeira lá de casa. daí eu fiquei ainda mais satisfeito em pensar que continuo imerso basicamente na mesma composição atmosférica. e me contaram que entrou uma cobra aqui na casa do meu pai, venenosa e brava. E os venosos e bravos são enxotados à vassourada, mesmo quando não é por fraqueza de caráter. então fiquei mais puto em pensar que alguns americanos ainda acham que o Brasil é uma selva enorme. Caralho, até hoje não entrou nenhuma cobra no meu apartamento, entendeu? aí fiquei pensando na rãzinha de Visconde de Mauá, e minha cabeça injetada criando a historinha do nascimento do céu e do inferno. o tempo expandindo, eu escorregando no escorrega e pulando no trampolim como eu fazia quando era pequeno, só que dessa vez de uma pedra linda no Poção da Maromba. uma água que doía a encarnação de tão gelada. de noite uma festa julina, uma cidade de muitos cachorros oportunistas fartando-se da comida deixada. no quarto, o som da madeira estalando nos nossos pés, a condução dos nossos sonhos através da madrugada. minha lanterna de dínamo que nao serviu pra porra nenhuma. um retorno descendo a montanha com o sol se despedindo de nós até sumir. lembro que eu vomitava muito, quando pequeno. lembro metade e a outra metade me contam. lembro do meu pai nos deixando quando eu tinha 5 anos. lembro uma parte a outra imagino. lembro de fazer natação para recém-nascidos. lembro porque me contaram, depois que me contam eu começo a lembrar. hoje, toda vez que entro na água, a sensação da água é uma lembrança perdida no meu corpo. lembro de estar morto antes de nascer. lembro porque imagino. nos últimos tempos andei com medo da morte, e agora ando com medo de envelhecer, coisa que nunca havia sentido. daí penso muito na morte do csóki, que é quando eu vou dar uma morrida por antecipação. na morte dos meus parentes, morte do meu pai, da minha mãe, das minhas irmãs. penso que como caçula corro o risco de ficar sozinho, e fico com raiva. penso que o sol é um pai perigoso, a lua uma mãe melancólica. trato as árvores como minhas irmãs. fecho os olhos e estou velhinho, numa casa pequena, olhando para o fim da tarde. você me serve um café, segura minha mão, e estamos prontos para morrer.

1 Comments:

Blogger Luisa Toledo said...

como seria bom viver essa tranquilidade todos os dias... Mauá ficará eterna como memória de vida gostosa demais... quem sabe um dia será mais que só um desejo... quem sabe um dia todos os dias estaremos prontos pra morrer... Você está escrevendo cada dia melhor...

7:40 AM  

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