1.8.06

tem dois lados o meu cubículo...
Então encosto o nariz nos recibos antes de organizá-los; cheiram a nada. O telefone tem esse cacoete de tocar em semi-pausas; intermitente; 2, 3 vezes por minuto. E eu não atendo, satisfeito! Estagiar é engraçado, como me é soprar sabão.
E as demais coisas que fazemos sem bem saber pra quê; sem bem se importar. Distraídos com as bolhinhas esféricas, macias, e provisórias. A graça que não se tem nas bolhas, mas na luz que se arrebenta no interior destas. Nos riscos refratados. Multifários, multiformes. De uma luz que sem suas bolhas não é mais que as gentes juntadas nas quinas das coisas. Entremeio esquisito entre a existência e a cognição.

Pois, e se um cachorro passasse correndo da copa, zoneando entre as pernas das pessoas preocupadas? e se pulasse nos arquivos, nos holerites, bagunçando com os salários? Que o presidente bonachão fizesse faxina por um dia; e a faxineira encontrasse no café alheio, o regozijo de sua mesma boca. Gasta e pouca. Que ela é a unica uniformizada. Embora escritório; a única. Uniformizando-se em quê? Em si? Em ser faxineira e só? Para que saibam:

- Ali vai a faxineira!
- Pois não é que só ela se veste assim?


Ali, apenas ela.
Uniformizada entre as demais faxineiras do mundo. Todas como que fantasiadas de realidade. Como que vivas figuras mortas. Luz, sem bolha alguma.

Os estagiários, as assistentes, as secretárias; vestem-se parecidos. Não há uniforme para cada um. São livres para serem quaisquer, já que condenados a serem parte.

O Róger, sócio-chefe-de-vendas ou algo assim, numa mistura de galo de briga, roqueiro aposentado, e Dino da Família-Dinossauro, dá um pito em uma das moças de pernas afiladas que escuta decepcionada consigo mesma. Não tem raiva dele, pede desculpas, sabe que ele pertence àquela parcela do mundo que comprou a verdade e a detém entre os dentes. Daqueles que sabem fazer sua equipe, campeã! que escrevem livros de aconselhamento admnistrativo, e que saem na capa com uma bola de futebol, aproveitando que a sua publicação concomitara com a copa.

Um vendedor diz que deciciu que a esposa não seria modelo, pra que pudesse acompanhar sua vida, seu sonho. Decidira por ela, que esta não teria sonhos. Apenas um, sugerido pelo mesmo; que fosse cabelereira. Que fosse mulher apenas. E que fosse; apenas.

Há sempre um campeão de vendas que sorri o bom sucesso, há sempre o cheiro de café gratuíto, há sempre um "como está?" sem bem querer saber. Sempre estagiários-sonho. Sempre chão encarpetado, e a porção humana que vende algo que não pode comprar. Adquirindo algo menor que o desejado.

"Eu sou o filho do Aguinaldo. Sou filho do dono da empresa. Sou minha juventude querendo ir embora. A descendência do que eu desconheço. Sou sangue, sou fraco, sou bunda. De levar na bunda quando acorda. Sou mais uma bunda no mercado de trabalho. Sentada no banco; do carro, da praça, da escola. Do ônibus, do avião, do helicóptero. Sentado no vaso, na grama, na cama. No escritório. No espaço, sem espaço, no nada. Sou bunda assalariada e útil. Sou belo como um quadro quatrocentista. Sou equilibrado, e bravo. Tenho textura, relevo, volume. Apoio-me sobre uma perna. Sou colorido, tenho sorriso e melancolia num mesmo. Tenho asas esbeltas de tinta.

Sou o centro dos quadros desimportantes. Protagonista dos livros não publicados. Sou presidente de uma ilha malvina, sou dono do tempo. E escravo da minha aurora. "

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

É fácil escrever qd se sabe.
É bom dizer qd se sente.É deliciosamente perigoso se apaixonar pelas palavras,elas voam.
Mas as escritas me fazem calar.
Penso,e não sei porque,me sinto tão
pequena.Leio e escuto.
Vejo mas não acredito,é puro.

6:44 PM  

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