13.1.05

Tchau

Desviou da privada, chutou a tampinha da pasta pra baixo da pia e usou a toalha de rosto pra secar o chão. Riu. Brincou de tentar dar nó na gravata, pensando na vizinha pelada. Ajeitou a camisa, zoou o cabelo e piscou pra sí mesmo fazendo cara de bobo. Catou o cinto cantarolando Gení e foi a ter com o amigo do quarto. -Sim? -Sei -Saca -Muito! -A dois -Eu só queria morrer..
Aguiar se entendia sentado na cama, e o amigo do quarto agora era o menino do banheiro. Sentou ao computador, fez-se de grande e escreveu da total ausência de auto-crítica que rolava nas festas. Deu tempo pra pensar em cerveja. Ouviu Strokes como quem goza a nona sinfonia e debochou Machado de Assis como se lhe fosse íntimo. Calou. Escreveu que estava com o queixo áspero da barba e lembrou de ter matado o peixe de Aguiar colocando comida demais.
Saiu, tralalá e entrou pelo salão da festa fingindo procurar o bar, mas ela estava linda de vestido longo. Deu pouco de atenção e depois foi passear com Aguiar, achou o álcool e uns segundos de "dã". Voltou. -A vanguarda? -Verdade. -O projeto... -Cadê? -Tá linda....
Pouca gente no mundo fala sem falar, e ela faz e ainda fala falando como todo mundo faz. Então se era pra falar falava: -Eu gosto dessa música -E eu gosto de você... E sorria.
Fez que bobagem, mas pediu o namoro com a voz doce, e beijo é resposta as vezes, ele sabe, mas pede confirmação com -hein?-. Na hora de sair, foi mijar num poste com Aguiar e acompanhou os carros passando na rua de noite. Oi pisca-pisca, tchau pisca-pisca. -Acabei de assinar um contrato- Mas não leu direitinho, contrato-sete-meses-e-tanto.
Tico-tico e rasgado o contrato sentiu saudades. Aguiar estava velho, mandado o cabelo longo aos feijões, e postos os óculos quadrados de estilista gay, perguntou: -Por quê? -Se soubesse -Acontece -Uma foto dela sorrindo!
E sabe-se lá do vestido ou destino deixado numa gaveta parda. A que estava linda continuava linda, e o menino ainda chutava a tampinha pra baixo da pia. Secou o chão com a toalha de rosto e escreveu um bilhete: -Me fui -Entende? -Esse mundo é meio doido -Você sabe -Se for pra voltar eu volto -Não sei quando -Nem sei se mesmo -Que agora vou-me embora pra Pasárgada.

Lá sou amigo do rei.

por Yuri

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Gostei da alusão a Manuel Bandeira...belíssima...ah, agradeço pela alusão oculta e quase nula à minha pessoa...hehe...Beijos, Nana.

9:41 AM  

Postar um comentário

<< Home