16.10.07

Comecei a lembrar de como era ter 8 anos de idade. Que fase boa da vida! Eu era aquele zé ruela que não sabia nada de nada, mas construia, junto a meus amigos, toda essa pose de grupo formado por pequenos indivíduos, que finalmente haviam se dado conta de que estavam vivos e, claro, de que cada um tinha lá sua individualidade.

Era a sala do video game nosso foro infantil, lugar mágico em que fazíamos política. Sempre com o jeitinho todo anti-democrático que as crianças conhecem tão bem. Logo antes de começar, rolava aquela longa discussão metafísica sobre quem começaria jogando. E seguíamos com uma argumentação apurada: (sujeitos 1, 2, 3 e 4)

1 Eu começo porque o jogo é meu.

2 Idaí, o video game é meu.

3 Só que o segundo controle é meu.

1 É mas sem o adaptador, que é meu, nada funciona.

2 A tomada é minha, até aí.

3 Ah! Mas a eletricidade não é sua!

4 Dane-se, a mãe de vocês é minha!

Olhávamos meio assustados porque havia sempre este personagem do grupo que era mais maduro, por algum motivo alheio a nós. Seria o mesmo menino que, 5 anos depois, fumaria cigarros atrás do colégio e contaria das primeiras experiências sexuais inventadas. No fundo, todo mundo sabia que era mentira, mas aceitava porque queria muito que fosse tudo verdade. Daí, quando o silêncio ficava desconfortável, o maior do grupo, que quase sempre competia ser o mais bobo, tomava as dores da imaturidade universal e rolava com o pequeno malandro que, aos 7, já roubava a mãe dos outros numa espécie de seqüestro edípico.

Como ninguém queria afundar a cara do outro pra valer, a briga acabava na preguiça. E o foro pegava fogo:

1 Vamo parar, todo mundo sabe que cada um tem sua própria mãe - claro que esse era o grandão

2 É. - concordava com pena do comentário idiota do Golias.

3 Ah, cala a boca vocês, eu jogo primeiro porque eu sou mais bonito. - o narcizinho despontava.

4 Isso é o que sua mãe te diz. - e o malandrinho sabia colocar a mãe nas coisas.

A partir daí, começava o jogo de foras e contra-foras, numa disputa ácida que se definia em um sistema de pontuação complexo, sempre envolvendo dois sujeitos e um juiz que elegia a si próprio. Os dois sujeitos que começam a disputa, no caso, são o 4 e o 3, como pode ser verificado. Observe como o sujeito 2 entra na ação avaliando o combate de egos:

3 Não, isso é o que sua mãe me diz! - começava a pegar esse negócio de roubar a mãe do outro.

2 Vixéeee! Nossa...se fudeu! - vulgo: alta pontuação.

4 Minha mãe morreu. - uma mentirinha mórbida sempre caía bem na hora de fugir de um fora bem avaliado.

Claro que depois dessa, vinha um silêncio que misturava frustração com arrependimento. Resolvia-se logo:

4 Peguei você trouxa!

2 Hahaha, boa, vixéee, pegou o cara mesmo. - perceba como uma boa esquiva podia render pontos.

3 Trouxa é sua mãe! - agora, deslumbrado com as mães, ele esqueceu que, para fins dessa discussão, o sujeito 4 já não tinha mãe e estava imune a este tipo de agressão. Acabou perdendo-se na insistência pelo caminho superado.

2 Ah! O muleque já nem tem mãe. Não adianta mais. Perdeu, perdeu. Cala a boca.

Nessa derrota, o sujeito 3 já havia perdido a chance de começar jogando e, sentindo-se humilhado, não tinha nem vontade de lutar mais. Na verdade, ele já tinha perdido a chance desde o momento em que decidira discutir com o precoce. Era sempre um caminho sem volta. Sobrava, portanto, os sujeitos 1, 2 e 4. Mas daí era muito fácil. Jogavam sempre dois por vez. Como o 1 era grande e bobo, eles inventavam alguma tática entre si pra tirar ele do páreo. Uma espécie de associação partidária para eliminar um candidato. Em geral, era alguma coisa bem babaca do tipo: "sua mãe ta no telefone da cozinha". O grandinho, coitado, sempre caía. Quando voltava desapontado, depois de ter até ligado pra mãe, achando que a linha tinha caído, os sujeitos 2 e 4 já estavam na terceira fase e já tinham derrotado o primeiro chefão. O 1 e o 3, silenciados, dividiam o ego do chefão.


baseado em uma conversa com Bruno Lazaretti

6 Comments:

Blogger Nícolas Brandão Silva said...

em geral eu era o sujeito três.

8:24 AM  
Anonymous Anônimo said...

e o bruneths era o malandrinho que enfiava a mãe dos outros em tudo né?
num sei se era,mas hoje em dia é
haha

3:22 PM  
Blogger Nico said...

hehe, verdade.

mas eu reparei agora que eu era o 3 só quem ser narcizinho. Porque eu era bem gordinho e sem graça.

6:13 AM  
Blogger Nico said...

*sem ser narcizinho

6:14 AM  
Anonymous Anônimo said...

haha! vc devia ser um gordinho fofo!

9:42 AM  
Blogger Luisa Toledo said...

é tão engraçado enxergar as fases da vida quando já se passou por elas...rs muito bom!

5:52 PM  

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