11.10.07

Eu confesso que eu sou uma farsa. Vou até o fim porque o Bukowski me mandou, mas não sou bom de verdade. Não sou um escritor mesmo, sou um menino deslumbrado e triste de anteontem. Sou um moleque incomodado, verdadeiramente. O engraçado é que causa eu até tenho. Mas perdi completamente o meu foco socio-político-literário por causa de uma mulher. Não nasci pra ser guerrilheiro, eu acredito tanto em coisas invisíveis que andaria confuso pela mata e me apaixonaria totalmente como nos filmes. Eu lá dizendo coisas bonitas para uma cabrinha, os inimigos me pegariam de idiota.

Tortura, então, não me cai bem. Não aguentaria ser torturado, ainda mais se envolvesse asfixia. Porra, asfixia é foda. Eu até mataria outro homem, gosto dessa poesia mórbida que mora no sangue, que mora em qualquer coisa que perca ou recubra a vida. Atiraria em homens que acreditam em hereditariedade no campo ou que defendem a responsabilidade social como solução para um país como este. E não me culpo, porque sei que muitos mais atirariam em mim por motivos menores. A onda da guerra deve ser ver nos olhos mortos do inimigo a imanência do que você acredita. É tudo muito virtual, quem vai pra guerra aceitou morrer e nessa já está morto. Por isso, não há culpa de farda pra farda.

Mas não vou desviar o assunto. Sou uma farsa. Movo infinitamente mais o corpo pelos amores que por qualquer outra coisa. E queria que meus filhos herdassem minha vontade de amor. Queria que meus filhos herdassem as minha histórias. Mas no fundo é só isso. Não tenho apego suficiente à propriedade pra construir um império para eles. A idéia de se eternizar no trabalho me arrepia, só de pensar na ética protestante como espírito do capitalismo tenho vontade de passar o dia vomitando. Mas nunca vomito, por isso sou uma farsa.

E se a revolução dependesse, num dado momento, que eu atirasse contra a cara do meu amigo, do meu parceiro, não saberia. Seria como atirar contra mim. Morrer ali, com ele melado de sangue. Penso, e sei que não quero nenhum futuro brilhante pervertido pelo meu passado. Quero que meus filhos herdem os intuitos, porque, embora sejam idéias vazias, nos movimentam no tempo e através da dor. Quero que meus filhos possam ser meus inimigos e que se apaixonem por mim honestamente. Quero deixar uma obra, não um pedaço de terra. E se a terra for minha obra, não quero que façam dela a sua própria. Quero que amem a terra, e para isso, muitas vezes, é preciso estar privado dela. É preciso haver privações na vida, é preciso haver frustrações, é necessário ir até o fim. Por isso, dói tanto quando me vejo recheado de estopa, classe B, parado, gastando meus excessos com o ócio. Por isso, me disponho a trabalhar até mesmo no que me ofende. Porque eu preciso, mais do que nunca, ser ofendido diariamente.

Eu não consigo nem transar com uma mulher no estado fodido em que minha cabeça está. Não consigo exercer o mínimo de virilidade solteira. Sexo exige concentração, que exige o mínimo de tranqüilidade psíquica. Trepar com um presunto não é sexo. Transar distraído é um desperdício de orgasmo. É preciso se dedicar, quanto mais às mulheres nuas quando te abraçam com as pernas. Quando transpiram doce. Não se pode querer expulsar uma mulher da cama tão rápido. Não vale a pena viver assim. Café-da-manhã na cama não é uma convenção burguesa, no final das contas, é só um jeito de dizer que não é preciso ter pressa, e que a nudez da mulher que se ama é bem-vinda, e pode ficar ali até o almoço.

Grosso modo, a vida segue um bom clichê. Construindo-se nos pequenos atos que boas pessoas me concedem. Quando você está na merda mesmo é que vê se as pessoas te valorizam, se elas se importam. Uma espécie de machadianismo bem vagabundo. A óbvia revelação diária vem acontecendo. Muitos de quem eu esperava cuidado sumiram. Tem gente que mal me conhece e resolveu que me cuida. Essas pessoas são fascinantes porque acreditam em mim de graça. Acreditam que eu vou ficar bem. Todos acreditam que você vai ficar bem, porque este é o caminho natural das coisas. Ficar bem é envelhecer, basicamente. "As coisas também se resolvem na falta de solução"- a imagem boa do meu pai vem me lembrar. Eu estou livre agora. Eu digo isso pro meu cachorro diariamente, porque ele sabe o que é ser livre. Ontem rasgou a pata bem feio com um caco de vidro, sangrou a cozinha inteira, e aquela cara dele continuava a mesma. Com aquela doçura dos cães de cinema. Ele sorria mesmo sangrando, o desgraçado.

Restou passar um domingo com alguém sem doer. Comprar um livro de presente pra dividir um gosto íntimo. Dizer a verdade na hora que ela quer ser dita. E claro que há liberdade nisso tudo. Ser essa farsa, morta de medo do mundo, me conferiu, de outro lado, uma honestidade corajosa. Ando vivendo honestamente nas gafieiras, de samba em samba, impunemente sincero. Sem regozijo, sem brilho. Ainda muito esmurrado, claro, mas com uma vontade vívida de melhora, uma certeza irracional de que as coisas valem lá suas penas. Tomo a minha pinga e quando ela arde eu fico feliz. Eu existo de fato, resolvo-me na ardência. Cabe aprender a dançar melhor e seguir com o meu livro que já tem toda essa estrutura infantil. Cabe escutar minha personagem que, com certeza, é algum lado meu. Só preciso voltar a gostar de mim de verdade. Acho que quando isso acontecer vou estar pronto para vestir a farda; matar e morrer sem culpa.

7 Comments:

Blogger Matilda said...

Nunca nenhum comentário meu vai conseguir expressar exatamente o que sinto e penso ao te ler.
Você é uma das pessoas mais lindas que tive a chance de conhecer nessa vida. Ainda bem.
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Só tenho mais uma observação: quando vc era pequeno vc resolvia todas as suas questões vomitando. Fico feliz que vc parou de vomitar porque em troca tá saindo cada coisa linda...

2:37 PM  
Anonymous Anônimo said...

adoro você.

7:24 AM  
Blogger Yane Santiago said...

Olha.
Posso estar exagerando, mas tem uma coisa aí que me pareceu uma voz falando de um tempo, de um momento.

Quero dizer. Acho que vai pra além de ser só sobre uma pessoa.

8:26 AM  
Blogger Nícolas Brandão Silva said...

Mazinha, to com uma suadade bruta de você. Ta foda daqui. Mas sabe, agora que você voltou a aparecer no vibrissas, é como se eu te contasse as coisas da minha vida diariamente, então tudo fica um pouco melhor. eu te amo maninha linda.


e Yane, rapaz, que legal você comentar. É de um tempo mesmo o que eu falo. Um instante. Se eu me achasse uma farsa incorrigível, não seguiria pra valer. Mas tem vezes que passo semanas sem me levar a sério, tenho que me concentrar, pegar o copo d´água e aceitar a escrita como ofício. Eu não preciso ser bom, eu preciso continuar somente.

Grande Abraço,
escreva sempre, que eu tenho mesmo enorme simpatia por você.

4:39 AM  
Blogger Nícolas Brandão Silva said...

todo tempo é uma era dentro da gente.

...deve ser alguma coisa fora também.

8:13 AM  
Blogger Matilda said...

Eu tamb�m me sinto pr�xima ao te ler e ao ser lida. Houve uma �poca em que a gente se perdeu um do outro e eu senti cada minuto. antes eu sentia sua falta. Hoje sinto saudade porque me sinto mais pr�xima.

12:16 PM  
Blogger Luisa Toledo said...

quando os homens assumem suas fraquezas demonstram sua maior coragem...quando li esse texto entendi como vc é apaixonado...angustiado é a melhor palavra...e angústia, inquietação é o que faz o artista...vc é um puta artista!

6:02 PM  

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