16.10.04

São Paulo

- Passa a grana muleque!

- Puta Merda...

- COMO É QUE É?

- Nada não; foi só um deja vu...

6.10.04

Amor

Nunca me há tratado tão bem assim! Tanto amor, carinho; tamanho zelo! Nunca me cuidou desse jeito novo, não me mandava flores, tampouco me dizia que me amava. Nunca acordado para me sorrir com devoção apaixonada, nunca, nem um minuto, a me olhar assim pela manhã. Não me beijava com amor algum, não reparava incontáveis adornos propositados, cheiros meus: inventados. Nunca me quis, nunca fez nada só por mim. Queria-me pronta, estirada na cama semi-arrumada; seminua. Queria-me devota, sincera e serena. Queria-me virginal todas as noites. Rameira dona-de-casa, silenciosa e comportada! Queria-me existindo só em parte. A parte que existisse só para ele.
Veio-me hoje com carinhos irreconhecíveis, com sorrisos exagerados, ufanistas e baratos. Trouxe-me flores exibidas, perfumadas. Fez-me leve em seus braços cansados, fez-me bonita por olhar-me sem distração. Sereno, falou de amor e brincou meus cabelos envelhecidos. Babou, incessante, adjetivos pelos cantos da boca. Deu importância ao que sempre só me importava. Lavou a louça cuidadosíssimo, assistiu aos meus programas e riu satisfeito. Acreditei porque era tudo inédito. Se me pusesse a estranhá-lo não aproveitaria os mínimos instantes do que talvez jamais voltasse a acontecer. Calei-me em desconfiança infantil. Deixei que ele me amasse tudo que quisesse e que esquecera, enfim, de amar por uma vida inteira. Deixei. Que acreditasse que era o melhor dos homens. Que me amasse longa e minuciosamente. Com os carinhos que nunca me havia dado, com o toque tranqüilo que nunca voltaria a dar. Beijei-o de volta cada beijo roubado, com a mesma loucura, a mesma desfaçatez.

A noite fora tão longa, tão infinitamente longa...

...Que resolvi matá-lo com 11 facadas bem sentidas.
Não conseguia escutar muito bem o que dizia entre os lábios dormentes, mas tenho certeza que me agradecia por eternizá-lo em momento tão especial.
Fiz meu papel de mulher tão grata!

A quem tanto sorri sem querer sorrir:
Meu singelo presente, esculpido pela noite tão boa, e pela vida tão duramente desperdiçada.