31.8.10

O pai do meu pai

Um dia, ao perceber minha decepção, quando trouxe meu trabalho de arte para casa e ninguém deu atenção, me consolou: “Meu filho, não fique assim não. O sol nasce todos os dias e dá um lindo espetáculo quando mais de dois terços da humanidade ainda estão dormindo”.

30.8.10



Você deve ter visto umas fotos antigas que eu te mandei.
Deve ter percebido como eu parecia com você na sua idade.






Naquela época eu me achava muito magro, então decidi fazer uma dieta de engorda.




Ia para uma lanchonete em Manaus chamada Almanara e tomava 3 vitaminas. E ainda comia uns abacates.







Essas besteiras que a gente faz quando é mais novo.

27.8.10

Sapo-Boi


no quintal.

25.8.10



arranjou um jeito de roubar uma torta de damasco antes de ir.





mal respirava e ainda furtava comida.





lição da minha vida, meu amigo, meu parceiro




nos vemos no mar, pra sempre

solilóquio

- tá vendo ela toda?
- é bonita mesmo
- queria dizer que fui eu que fiz, mas não foi
- tá mesmo linda. Fazia tempo que a gente nem se falava
- é, eu andei meio sozinho
- e eu esqueci você completamente, desculpa a honestidade
- essa era a idéia mesmo
- mas to lembrada agora, seu jeito, intimidade adormecida
- lembra quando a gente foi pra ilha? eu fiz camarão e você ficou dançando pra mim
- e você cantando no carro, descendo a serra
- a gente comeu aquela batata ao funghi, não era?
- era, foi tão gostoso.
- você me ama ainda?
- acho que sim, não sei
- é, eu também não sei direito
- mas tá tudo bem também. Com ou sem amor eu to feliz em te ver
- é. eu cansei de viajar.
- e ela tá tão linda, hoje.
- perfeita, queria dizer que fui eu que fiz
- pra quê? pra me impressionar depois de tanto tempo?
- é
- não precisa.
- eu não sei mais como é, você ainda gosta das mesmas coisas?
- quase tudo, sim. eu não ligo pro amor como antes.
- culpa minha?
- você ainda anda cheio de culpa?
- às vezes vem
- pensar que essa culpa é sua é também um pouco de pretensão
- sempre foi presunção enrustida
- não precisa me dar a lua
- ela tá uma beleza, enorme
- e se você tivesse feito perderia toda a graça
- você tá mais ácida
- essa culpa é sua, você que gosta de contabilizar
- hahaha... vish
- eu gostava de pensar em você como um poetinha, até fingiria agora que a lua era um presente seu pra mim se não tivesse aprendido a lição
- divide?
- tem mistério suficiente nas coisas. ninguém fez a lua. é o jeito mais bonito e justo de dividir uma coisa dessas. tem gente que gosta de dizer que foi Deus quem fez: É como querer apagar um mistério inventando outro. Eu escolhi não passar a vida agradecendo a um pai ausente
- você parece eu falando
- mas é você, você que tá botando ideia na minha boca. eu nem falo assim
- ah, não estraga
- você tá falando sozinho de novo
- ah, mas que merda!
- tem que parar de pensar no futuro
- você também

24.8.10

terceira oitava

quando eu estudo a oitava mais aguda da flauta, os pássaros na minha janela ficam surtados.
é como se eu fosse um pássaro gigante anunciando um fim de mundo que nunca chega.

22.8.10

fazia tempo que um domingo nao me derrubava. nunca imaginei que ia sofrer ouvindo Wilson das Neves. o Rio de Janeiro noutro hemisfério é demais pra minha cabeça.

20.8.10

Quintal

o teto por cima do teto
a casa pra fora da casa
a noite onde habito
antes de mais nada

19.8.10

memória

escorrega debaixo do meu nariz o que eu havia pensado pela manhã. e os cachorros estão lá de novo cagando no tapete pra eu pisar. porque não sei se vocês sabem que cachorro caga no tapete pra você pisar. é um lance da natureza, você pisa, carrega, espalha, e fertiliza o azulejo. outra coisa curiosa é o mofo. eu esqueci as joelheiras molhadas dentro de um saco plástico e elas ficaram verdes. daí também o alívio de lembrar que algumas coisas são iguais mesmo na distância. quando eu abri a geladeira vi que o peito de peru estava meio amarelado, com umas bolinhas brancas, que é igual a como ficava o peito de peru na geladeira lá de casa. daí eu fiquei ainda mais satisfeito em pensar que continuo imerso basicamente na mesma composição atmosférica. e me contaram que entrou uma cobra aqui na casa do meu pai, venenosa e brava. E os venosos e bravos são enxotados à vassourada, mesmo quando não é por fraqueza de caráter. então fiquei mais puto em pensar que alguns americanos ainda acham que o Brasil é uma selva enorme. Caralho, até hoje não entrou nenhuma cobra no meu apartamento, entendeu? aí fiquei pensando na rãzinha de Visconde de Mauá, e minha cabeça injetada criando a historinha do nascimento do céu e do inferno. o tempo expandindo, eu escorregando no escorrega e pulando no trampolim como eu fazia quando era pequeno, só que dessa vez de uma pedra linda no Poção da Maromba. uma água que doía a encarnação de tão gelada. de noite uma festa julina, uma cidade de muitos cachorros oportunistas fartando-se da comida deixada. no quarto, o som da madeira estalando nos nossos pés, a condução dos nossos sonhos através da madrugada. minha lanterna de dínamo que nao serviu pra porra nenhuma. um retorno descendo a montanha com o sol se despedindo de nós até sumir. lembro que eu vomitava muito, quando pequeno. lembro metade e a outra metade me contam. lembro do meu pai nos deixando quando eu tinha 5 anos. lembro uma parte a outra imagino. lembro de fazer natação para recém-nascidos. lembro porque me contaram, depois que me contam eu começo a lembrar. hoje, toda vez que entro na água, a sensação da água é uma lembrança perdida no meu corpo. lembro de estar morto antes de nascer. lembro porque imagino. nos últimos tempos andei com medo da morte, e agora ando com medo de envelhecer, coisa que nunca havia sentido. daí penso muito na morte do csóki, que é quando eu vou dar uma morrida por antecipação. na morte dos meus parentes, morte do meu pai, da minha mãe, das minhas irmãs. penso que como caçula corro o risco de ficar sozinho, e fico com raiva. penso que o sol é um pai perigoso, a lua uma mãe melancólica. trato as árvores como minhas irmãs. fecho os olhos e estou velhinho, numa casa pequena, olhando para o fim da tarde. você me serve um café, segura minha mão, e estamos prontos para morrer.

16.8.10

Os braços são a maneira do coração tocar nas coisas.

10.8.10

a madrugada imprime o frio sobre a janela do quarto
São Paulo me oferece uma trégua
finjo que escuto a conversa dos sapos com a água do rio
e durmo na generosidade da minha imaginação

9.8.10

cuecas, meias, camisetas
bermudas, calças
agasalhos
sapatos, chinelos
livros, instrumentos
escova de dentes,
goiabada e pimentas para meu pai
a mala se estufa e o cão me olha
a saudade empurra o zipper no sentido contrário
vejo a minha vida até aqui
as lembranças deste quarto adolescente
no tronco, alguns raros e verdadeiros amores
aquilo tudo que construí sem notar
o gosto das comidas que me trançaram os músculos
descobrir-se também uma mala recheada
estufada com as próprias memórias
passar com sobrepeso na balança do aeroporto
e conter os excessos
que empurram os olhos pra fora
eis que o esfirra contrata uma nova garçonete e eu saio do país.
agora que eu ia ser bem tratado na melhor esquina de são paulo.
espero que ela esteja lá quando eu voltar.

espero que estejamos todos, quando eu voltar.