26.11.08

Cidinha, filha de Soninha, era filha de nossa empregada.

E embora fizesse de obrigada, Cidinha
gostava mesmo de menear a massa crua.

Era a única coisa de que gostava fora eu.

Então eu ficava vendo dia todo
ela arejando a massa.

De costas pra mim
Tão simplinha!

E com tanto gosto ia
que às vezes parecia
que a mão também se arejava.

Eu via a mão toda branca
feito luva de farinha

e ficava na dúvida:

Talvez a massa também mudasse a neguinha.

Então chamava às vezes ela de pãozinho-meu
só pra ver ela irritada de tanto me gostar.

Um dia, olhando ela bem bonita,
sorrindo a maciez do pão futuro.

Disse-lhe muito acertivo como se tornado um homem:

- Deixa essa massa e vem cá um pouco comigo.

Vinha, também, como se tornada mulher,
e nem lavar a mão, Cidinha não quis

Foi por isso que eu conheci o amor muito cedo.
É que Cidinha me tocou com umas mãos que já amavam.

21.11.08

Penso de repente em vocês.

Perdi o controle que costumo ter sobre mim e caí no erro de me perguntar por que escrevo, e já há tanto tempo. Se é tão difícil estar aqui na maior parte das vezes. É certo que alguns de vocês por vezes me saltam do branco da página e lançam suas vozes por sobre a minha. Mas na maior parte do tempo, sejamos honestos, sobrou estar aqui neste lugar de onde vos escrevo. Um lugar que descobri entre mim e o texto final. Aqui, onde ninguém está, e onde sucede apenas a condensação dos meus pensamentos. E digo, e quero que entendam, que é silencioso e vasto este lugar. Tal maneira, que minha voz se acusa e eu a sinto de dentro da garganta apenas, visto que não há nada por onde perpetuar. Daqui me lembro de vocês: Contados nos dedos e tão queridos que, embora estejam quase sempre quietos, apostam que eu possa ter-lhes qualquer coisa a dizer. Sinto que há uma responsabilidade nisso também. Onde tudo se escreve à merce do meu intuito ou simples tendência impensada. Percebo que, nesse tempo todo, dividi com vocês aquilo que muitas vezes escondia de mim. Quando precisei renovar-me, fiz do silêncio de todos a melhor ventania. Já quando o caso era esquecer, distraí-me na idéia de que o tempo se dilatava com as minhas memórias. Quando precisei me vestir dos seus elogios, dei a mesma importância que daria caso a mim mesmo me decidisse elogiar. Abracei também todas as ofensas, quando me era preciso ser ofendido. Aqui, aceitei todos os amores, buscando intimamente desviciá-los das noções estúpidas e vazias de que costumamos vestir o afeto. Mesmo quando, verdadeiramente, não quisesse eu nenhum desses amores, e mesmo que apenas daqui os soubesse escutar. Mas principalmente, porque o único amor com que eu sonhava não se atrevia a ter comigo neste lugar. Já tanto vocês me ignoraram, e por tantos textos intrincados se calaram. E outros tantos que leram pela metade, como aqui, por exemplo, poucos vão querer chegar. Deixo o começo do texto pra traz e sonho com os que seguem daqui comigo. Eu os amo, tanto. Os quero tão bem hoje e muitas vezes tão mal, apenas para que sejam e me entendam. Daqui onde minha voz está sempre sozinha, onde meu riso é branco e igual ao da minha infância. E por que sigo nessa angustiada derrota? Porque queria trazê-los para cá. Este lugar onde labuto sem paga. Reitero: jardim entre a escrita e o texto final. Meu interim. Meu mais-ou-menos. Meu segredo. E pensando agora em vocês, queria convidá-los para assistir a meus piores erros, mas é tão duro. Não consigo me profanar. Queria poder falar das minhas punhetas, sem receio. Da minha perversidade, do meu desejo irriquieto. Tornar-me guia desse passeio único por tudo que eu detesto em mim. Mas não consigo. Quero ser bonito e um pouco fraco para as meninas. E muitíssimo forte para os homens. Quero que me amem e, para que isso seja possível, preciso medir o limite que deve haver para se mostrar meus defeitos. Se resolvo esconder todos eles, ninguém vai me amar por não se reconhecer em mim. Se torná-los evidentes, ninguém vai me amar por se esquecer das minhas qualidades. Suponho que pensei em vocês porque senti falta de pensar. Como senti falta de desejar as mulheres no último mês. Lembrei de vocês, porque acho que é um daqueles momentos em que eu tornei o mundo todo enorme alegoria. Porque pra que vocês existam perto de mim é preciso reconhecê-los. E não é difícil, afinal. Somos tão parecidos. Tão pequeninos. Aprendi coisinhas simples nesse último mês. Coisas que nos tentam ensinar, mas que não se aprende ouvindo. Como a terrível e antiqüíssima máxima sobre o amor não ser pra sempre. Ouço isso do tempo que só havia pra mim os seios da minha mãe. E como imaginar naquele tempo, então, que aquele amor poderia não ser pra sempre? Porque parece que o que ficou é a noção, ácida, de que o amor não troca de seios e sai intacto. Só no peito materno ele é pra sempre. Então, embora ouvisse já de data, aprendi aos 21 que o amor não é mesmo pra sempre. Mas que não importa. Porque as formas variam. Já senti amor tanto dentro do peito quanto do intestino. Já vi o amor das tartarugas. Já vi um cão me amar. Pensando melhor, acho que quero me corrigir. Enquanto as coisas se reciclam, o amor persiste. Suas representações é que morrem o tempo todo. Afinal, toda representação é uma mentira consentida. O amor, tal como um ponto geométrico, não existe. Mas é fácil dizer, por outro lado, que ambos constituem tudo que existe. A música não deixa vestígios, embora todos digam que ela existe. Quando o concerto cessa, ninguém precisa varrer as notas e as pausas que estiveram no palco. A vida também um dia esteve. E o corpo, por ser mera representação, foi encaixotado. Digo, e espero que me encontrem no que digo: A felicidade não é mesmo fácil de ser embalada. Por isso é tão mais simples ser triste. Seja o suspiro apenas um suspiro, seja ele um texto ou uma música...A tristeza não rende mais que esse suspiro. Ninguém a deseja. Então ela vaga, sem corpo. E sem corpo, tudo é infinito. Daí, viver é esbarrar na tristeza a todo momento. E ser triste é estar aqui no entremeio. Pensar em vocês quando um texto se esgota.

18.11.08

ansiedade
sossego

infinito
efemeridade

solidão
música

14.11.08

ao espelho

Cada parte realiza um trabalho:

único e insubstituível.



Aos olhos pequenos e implantados

coube a difícil tarefa de comunicar-se.



Enquanto que aos lábios compactados

restou desmentir o discurso dos primeiros.



O nariz - ampla e ridícula estrutura

fez-se eixo e destino para todos os traços



As alças acústicas e bem humoradas

filtram o ruído para um mundo sem névoa.



Os cabelos revoltosos e informes

roubam dos dias seus vestígios e,



junto aos dentes, exigem diariamente:

a higiene que os desvestirá dos excessos.



À barba repleta de falhas

deu-se a invenção de uma geografia



Onde, tal qual o planeta,

tem mais água na face do que terra.

Mais pele do que pêlo



E por baixo ainda há o fogo.

que molda e aquece do todo

suas mínimas partes.



Ao espelho o mim olha o eu.


Os implantados seguem pelo mapa prescrito

no que desembocam nos compactados.

Estes, por sua vez, desmentem o discurso dos primeiros

aos sempre atentos e bem-humorados.

Os revoltosos riem da ridícula estrutura.

Os dentes desvestem-se.



Vemo-nos. O mim e o eu.



Seguindo por ruas que inventamos.

Mais de tédio que de necessidade.

E quando damos por nós,

tudo acontece a despeito de nosso cuidado.

Nosso rosto se move na medida do tempo

e não da vontade.

Nós não existimos.



Eles nos existem.




À querida Michele que me serviu de consciência poética, e conselheira de estilo, sem nem cobrar por isso. Sem ela, não teria saído o trabalho do Wellington.

11.11.08

"O homem perdeu a humildade e, dado que perdeu a humildade, perdeu também a oportunidade de ser feliz".

Mãe


"Invento esse homem que entra despercebido na boca de uma baleia: Um homem que despreza a amplitude do seu mundo, ao mesmo tempo em que é engolido por ele."

Filho

7.11.08

Nesse momento dois pares de olhos se cruzam:


N - Ora, mas você não está vendo que eu não estou bem!?

C - Já eu estou muito bem e você não vê.


obs:
Reparem que estão cegos, mas não mudos.
E isso é bom.
Porque o mais difícil hoje com os olhos é a comunicação.

5.11.08

Com quantos palitinhos vivos eu fiz essa união que de um sopro se refez em palitinhos mortos?
Que beleza havia em minha antiga forma para que tanta saudade estranha hoje exista em mim?
Que artifício maluco eu me inventei de estar sozinho e só saber falar pra mim de solidão?

eu sempre tão didático: simplesmente porque minhas perguntas são insolucionáveis.