30.1.08

Dorme seu sono de coruja.
Encolhida, adunca.

Dorme, linda notívaga,
sob o sol dos meus compromissos.

Deixe sobre a minha cama
o calor da tua preguiça saudável.

Essa possibilidade de dormir
enquanto se obrigam os bois através da madrugada.

23.1.08

"There is a fine difference of perspective between getting involved and being committed. In ham and eggs, the chicken is involved but the pig is committed."
John Allen Price - The Pursuit of the Phoenix

18.1.08

"Você não faz lá muito sentido". Imaginei que me dissesse o sol português. Naquele fim de tarde a saudade me batera com uma precisão insuportável. Olhava a Nana e a Emily que brincavam com a espuma marinha colhendo dela com as mãos em concha. Em seguida, arremessavam o conteúdo para o céu que retornava apenas em parte. A espuma se engraçando do sol já queria dizer que tudo era mesmo inconsistente e que, ou se aceitava a idéia, ou a idéia é que se impunha sozinha. Nessa altura, Nana já sapateava na margem espelhada do mar e sua imagem sapateava do outro lado, pé com pé, sola com sola. Nana sabia dançar com o mar porque era muito nova. Ela e ele ainda eram uma mesma coisa. Sem estranhamento, se aceitavam. Já Emily com a maré pretendia uma distância, uma recusa, hesitação de quem esquecera ter sua parcela de sal. Daniel apenas caminhava aquela areia no seu silêncio de rotina, como se desafiasse o mar a levá-lo dali, enquanto o mesmo o convidasse a entrar. A calma que transmitia era de quem nunca havia perdido alguém para a eternidade. Eu respeitava aquele todo amorfo porque sabia que ao oceano apenas se pode pedir, e que não há como retirar com os braços o que está imerso no passado. Esperei porque sentia que a dança da mais nova acalmava as águas rebuliçosas e que, com o tempo, honestamente passáramos a trocar nossa perplexidade pela beleza testemunhada. Esperei que viesse a quietude até que o sol se alaranjasse e as meninas deixassem a espuma descansar. E quando achei que era o momento, olhei fundo nos olhos da imensidão e pedi minha Sofia de volta. Esperei os instantes em que as ondas serenadas pareciam ponderar e, quando o sol e a espuma trocaram suas ironias por um ar desolado de pena, eu resolvi voltar. Com os restos solares me amornando as costas e com a espuma me afofando os pés. Ciente de que estar sozinho é esperar. Certo de que, como eu, o infinito de sal havia se apaixonado.

13.1.08

É o que disse hoje pro Pimenta. Idade não quer dizer nada. Eu ando variando a minha. Dia acordo jovem, dia acordo velho.

Hoje acordei, fui ver Jogo de Cena e, no mesmo instante em que acabou o filme, tive certeza de que eu era muito jovem. Daí me deu uma vontade gostosa, feito vento encanado formando brisa, de sair pra paquerar.

15 minutos depois a vontade já se mudava; eu só queria estar velhinho com minha menina.

12.1.08

Atordoado com o reencontro não pude ver que seus lábios me apontavam um horizonte.

E cheio de angústia apenas tentei fazer com que os outros coubessem na minha boca.

10.1.08

Caminhávamos pelo Bairro Alto na surpresa de uma Vila Madalena muito mais antiga. Mal podíamos distingüír entre as ladeiras de pedra, uma vez que as casinhas geminadas pareciam pendurar as mesmas roupas nos diversos varais. Além do mais, havia um boteco a cada 15 passos, todos com imperial a 1 euro. As ruas estreitas recebiam os mais diversos tipos humanos. Estudantes locais, gringos (no caso nós), mendigos amigos, mendigos chapados, falsos mendigos que, muitas vezes, flagrávamos traficantes. Éramos guiados por uma nativa que, não bastasse a intimidade com as esquinas, tinha também a sua fama entre os gajos. Complicava ainda mais a situação, visto que a cada 15 passos tomávamos um chopp a 1 euro e a Bruna sempre cumprimentava um novo rapaz. Se nos perdêssemos da moça, era fim. As únicas referências que tínhamos funcionavam agora como um enorme déjà vu que tendia ao infinito. Não poderíamos nunca nos referir a um lugar em que bebêramos a 1 euro, ou onde houvéssemos encontrado um amigo da portuguesa. Toda parte era uma parte reincidida. "Parece, Bruna, então diz, é fácil arranjar droga por aqui?" No que a ironia desce a ladeira em nossa frente trazida por duas púpilas já tornadas rodas e o que sobrara de um septo antigo: "Tu cheiras? Sim, tu cheiras?" No que coçava e esfregava o nariz antigo na camiseta como que a encenar a anti-propaganda do produto que nos pretendia vender. "Não rapaz, essa não é bem a nossa". Com medo do que poderia sair daquele nariz que já parecia pulsar de inquietação induzida. Durou a negociação o que deveria. "Tá fixe!" Pontuou o nariz, em querer dizer na gíria lusa algo como "Ta firmeza!". E seguiu pelo caminho previsto como se procurasse um septo.

5.1.08

É um capricho no final das contas. Paris tem essa coisa de ser bonita mesmo no que não era para ser. Uma urbanização impossível. Lá, toda paisagem é invernal, mesmo quando é verão. O negócio é sair andando. Parece que tudo foi feito para te enganar. E você deixa.

Na frente do Sena, passa barquinho, passa barquinho. Bem perto tem uma roda gigante e um carrocel. A superfície da água congela nas pequenas fontes das praças, é pros passarinhos andarem. Pensando bem, é como se tudo fosse feito para os passarinhos.