29.3.05

Nuvem

Essa nuvem que acabou de passar...

...Era eu me despedindo de mim.

16.3.05

Porta

Só existe essa porta agora por onde você vai entrar. E o tempo é esse ventinho fino que vaza pelos cantos da janela, e vem desenhar na minha nuca a ventania toda que brinca lá fora. E é como se agora, ao fechar os olhos, quase pudesse ver as saias e os penteados evadindo em rebuliço inútil, dos círculos invisíveis que o vento faz desenhar no ar e a quer trazer assim, despercebida, pra dentro da minha boca.

Mas só existe essa porta agora! E o vento sou eu desenhando na minha nuca, o hálito quente e doce com o qual sua boca me enrijece a pele e me arrepia os pelos. E logo faz fingir, assim, um frio ditoso, pra trazer a ventania louca pros meus braços seus. As saias e os penteados vêm dançar cá dentro, a dança desvairada dos nossos beijos vários. E minha espinha cega desconfia, sem bem entender, dos calafrios gostosos que por muito pouco não me desfazem o corpo quando seus seios resolvem descansar minhas costas.

Mas só existe você agora, e a porta sou eu te esperando inquieto. E o vento sou eu te trazendo de volta. E teus passos, metade dos meus e do meu caminho. E as saias volitantes, e os penteado descompostos, e o mundo todo sendo mundo. Não são mais que nós dois nos nossos beijos...

...Já quando a brisa me vier beijar a nuca, e a porta se mover bem lenta. Eu vou estar lhe esperando. Porque eu sou o mundo a trazendo de volta; seu hálito doce me invadindo a boca, e sua mão perpassando o linear da porta com os dedos. Porque eu já a vi chegar diversas vezes nesse último minuto. E nos demais não venho sido mais que eles próprios. Pois sei que ainda hei de a ver chegar neste sem-fim de minutos que se me seguem afoitos. E posso ver entre as frestas da janela, que não são senão as minhas quinas,

que sendo tudo que faço sentir.
Sou, muito além de tudo, a espera que faço de ti.

13.3.05

Seclusion

Primeiro, o mundo será só casais. E o resto será só cenário. E os beijos emudecerão os carros. E os braços te empurrarão da mesa. E as mãos roçarão de leve as suas pernas. E sua nuca se encherá de dedos. E os dedos de mais dedos. E os bancos terão muito espaço. E o tempo será só espaço. E a vida se encherá de nada. E sua boca encontrará mais línguas. E as línguas roubaram seu ar...

Mas aí você não vai mais se importar, com o espaço que tem aquele banco todo. E então, vai se deitar, e ser toda banco, sozinha. E as árvores vão te olhar de volta e fazer sombra gostosa no seu rosto lindo. E o cenário já não será cenário. E os casais já não serão eternos. Vai perceber que sempre escolhem sombras, e são sombras do que queriam ser. E não vai deixar ninguém te empurrar do banco. Porque os braços já não te esbarram mais. E as mãos já não te roçam a perna. E os beijos são silenciosos e brandos. E os dedos são só os seus. E sua língua vai contornar os lábios, e vai sentir o gosto do ar que entra, sem mais línguas por lhe sufocar...

E então vai reparar de novo nesta vida que tanto quis dizer não-vida. E os espaços vão estar cheios de você. Porque o mundo é todo assim sozinho menina, e a sombra, engraçado, a fez ver melhor. E os beijos vão perdendo volume. Onde as bocas vão selar silêncio. E este silêncio novo é uma luz sem luz, que te faz ver tão bem mesmo tão sozinha. E então vai perceber um mundo todo novo. Com o vento te conhecendo muito bem o rosto. E vai se sentir completa dentro de suas pernas e seus seios muitos. E deverias chorar deveras por estar em um banco sozinha. Mas não mais lhe faz sentido chorar. A solidão não faz senão sorrir de volta. Uma alegria tão pura que é preencher-se de si mesma. Pois logo que quiser adormecer tão solta, a se embalar na sombra leve e boa que lhe obscurece o rosto. Vão lhe tocar o ombro. Vão pedir com os olhos pra poder sentar. E quando os braços se encompridarem no longo das pernas, e houver também um inclinar doce do rosto...

...não estará sozinha...pode dizer qualquer coisa.
Pode querer saber como os olhos do outro vêem o mundo. Ou pode ficar assim quietinha...até se ir aquele que antes sentava...
...E no seu banco, de novo sozinha, pode esperar o mundo dar voltas e voltas sem fim...

Ou pode ser mundo, menina, e ir dar voltas também...