27.9.07

Quando eu acordei hoje eu tinha certeza de que o dia seria bom.

Mas quando eu cheguei no trabalho eu lembrei de que a vida é que anda ruim.


Quando se está numa fase difícil, imaginar que o dia vai ser bom

é mais ou menos como acordar no inferno e lembrar que é o dia do seu aniversário...


Lá, todo dia é o dia do seu aniversário.
E o fogo arde sempre igual.

26.9.07

O quarto me conhece desde sempre.
Não consigo me distrair daqui de dentro.

Me flagram trôpego todo dia,
as mesmas paredes,
passadas algumas mãos de tinta...

O fax discute com o sem-fio.
Os livros passam as noites citando no escuro,
esses trechos obscuros da minha infância.

Meus bonecos e meus poucos amores nessa gaveta mesma.

Quando eu finalmente esqueço de escutar e fecho os olhos.
Quando eu finalmente durmo como um menino.

Lá estou eu pendendo dos seus cabelos lindos,
sorvendo a escuridão lunar dos seus olhos grandes.

Lá estou eu pequeno brincando em silêncio,
por não saber dividir meus brinquedos...

Cá estou eu, menina.
Desenhando você em palitinho

e apontando para um coração recortado.

23.9.07

Chorar no seu corpo.

Quantas vezes for.

Lavar tudo que eu pûs em você

e que não existe.



Lavar tudo que não vem de você.

21.9.07

O mesmo ar de desprezo que respirei em você, eu sopro nesse dia nublado.

19.9.07

Sonho I *Interpretação

Somos distantes, incomunicáveis, na rotina. Cuba é o nosso terraço mágico onde amamos.

Dividimos as funções como companheiros que se cuidam e que caminham num mesmo sonho. Durmo acordado do seu lado não apenas pela proteção, mas pelo equilíbrio dos dias. Você dorme em defesa da noite, eu anuncio a iminência do dia. Em Cuba somos uma mesma coisa viva. Eu durmo em tua forma, você vigia sob a minha.

Os contra-revolucionários são o temor da velha rotina. Ela querendo imperar. Lutamos pela nossa Cuba onde existimos oníricos. O terraço em que somos pessoas triunfantes, onde nossa vida ainda é inconformada.

Os contra-revolucionários invadem nosso acampamento sob a insígnia da normalidade que não desiste. Sentindo-se menor diante da vida conformada, você me abraça e diz que queria que tivéssemos morrido velhinhos. Penso que talvez, para viver aquilo até o fim dos dias, tivesse que ter acatado parte da vida indefesa e de civilidade dócil. Embora sinta-me também menor, procuro equilibrar-nos outra vez. Encontro nas paixões o único verdadeiro porquê de qualquer esforço. "É melhor morrer enquanto há qualquer paixão, seja ela carnal ou revolucionária." Respondo empunhando o proferido como arma.


Morremos pelas mãos da realidade conformista;
Seguimos amantes sob a forma de Cuba.

18.9.07

Sonho I

Eu sou um procurador do estado, você uma analista de sistemas.

Entendiados com a dificudade em manter uma conversa, haja vista nossas rotinas, decidimos ir para Cuba.

Em poucos minutos na ilha, o clima revolucionário nos transforma em guerrilheiros impedindo a contra-revolução.

Há mesmo uma divisão do trabalho. Enquanto você constrói minhas botas de restos de pneu e couro velho, remenda as roupas com os poucos panos restantes e garante o pleno funcionamente das armas. Eu me mantenho na frente de batalha, alimento os ideais dos companheiros, elaboro as táticas de guerrilha e durmo sempre acordado do seu lado.

Nessa madrugada, os contra-revolucionários atacam o acampamento. Você me abraça e me olha com os olhos baços:

- Queria que a gente tivesse morrido velhinho.

Eu quase deixo meu corpo cair, mas te acalmo como dá:

- É melhor morrer enquanto há qualquer paixão, seja ela carnal ou revolucionária.

Morremos.
Mas Cuba não é tomada.

12.9.07

Às vezes me olho no espelho e quero advinhar o que me espera. Imagino em que estrutura se mudará meu rosto. Em qual densidade irão meus olhos se conformar. Serão mais duros do que hoje? Serão mais sábios? No que vão crer? Tento estimar meus detalhes no devir das décadas e minha barba vai ser sempre pouca. Vou ganhar aspereza, vou ganhar peso. O mundo vai ganhar peso em mim. Sigo avançando as datas até intuir o momento da minha morte e eu estou com bastante dor e muito cansado. O próprio cansaço tornou-se dor também. Não sei por que, mas, quando penso o momento da morte, vejo um cavalo que galopa impetuoso e profundo. Escuto suas patas advinhando o solo e sinto seu corpo vertendo distância. Daí, na possibilidade de um riacho, o cavalo que parecia poder com tudo, e que parecia jamais parar, de repente refuga e não salta o riozinho. Fico nessa idéia profana de que a morte é um refugo e só. De que ela, embora certa, proceda no instante exato em que refugamos diante da vida, simplesmente porque não chegávamos em lugar algum enquanto corríamos. Diante desse riacho, tranqüílo e fresco, paramos, e a possibilidade de atravessá-lo se perde. Chegamos, então? Há 30 anos teríamos saltado e seguido. Quando a idéia some, e a consciência quase volta inteira. Me vejo aos 20, e é como se mirasse o rosto de um morto.

6.9.07

Retido naquele lar, observava nos móveis as fotos esparsas. Havia uma de quando menino, volteando os entornos do jardim da vó; outra da primeira comunhão, todo crente, de roupinha rara, recessiva entre as demais do armário morto. Aquela casa era uma edição bastante honesta da infância, sentia sem linguagem. O cheiro ainda lembrava uma mistura de pão caseiro e hospital geriátrico, fenômeno que fazia a visita ainda mais complicada. Era impossível caminhar por ali sem imaginar uma panificadora entre os inúmeros quartos de velhos enfermos. Mas aquela casa de troncos escuros, cobertos de umidade antiga, era só silêncio. Sem moléstia e sem pão.

Caminhava entre os objetos tocando tudo com os dedos mimados, como se quisésse retirar-lhes qualquer excesso que se houvesse acumulado no devir dos tempos e, de um mesmo ato, entender-lhes o sentido histórico que permanecia latente, camada após camada de tempo sedimentado em passado. Da sala deslizou até uma porta que dava em um quarto sem luz, mas não quis entrar. Bastou-se em esclarecer para qualquer ente que não estava, de uma vozinha paciente e sem esperança que tonava leve e quase sem brilho:

- Aqui, apanhávamos. - fechando a porta em seguida, amuado entre seus músculos.

Advinhou ao entrar na grande cozinha familiar que as costas alçadas ao lado da pia eram da prima Laura. Uma vez que não havia loiridão mais intensa, tampouco, em toda a família, compleição tão dedicadamente construída. A prima, um ano mais velha, era com quem deitara a libido infantil que lhes arrojava o espírito de muitos anos já tardes. Ensaiou algumas vezes na cabeça a intenção que melhor caberia para aquela hora doída.

- Prima... - escolheu o tom nostálgico que mais o comovia.

Posta ela de frente agora, tornada a criatura mais esquecida do mundo no que diriam os olhos:

- Primo, você veio... - e sentia muito mais do que constatava.

- Vim.

Mergulhavam em seguida naquele imenso vazio que a distância conformava entre dois conhecidos que de repente mudavam. Ainda que este repente tivesse transcorrido os últimos dez anos. Tocaram-se primeiro nas mãos, depois inclinando-se na clave dos ombros, exatamente como a memória acusava o remoto encaixe de seus corpos antigos. Beijou abaixo das orelhas de Laura para nunca esquecer que o erotismo tem em sua graça maior, a possibilidade irrestrita de ser disfarçado em afeto. E choraram profusos aquela inexatidão, sofrendo pelo reencontro caduco de suas parcelas mais juvenis.

- Por que tá aqui na cozinha?

- Decidi acalmar um pouco, respirar esse cheiro que não envelhece.

- Fizeram pão hoje?

- Acho que não. Acho que o cheiro ficou por insistência.

- Quem tá com a vó?

- Minha mãe, sua mãe, a tia Meire, o tio Rodrigo com os nosso primos, nosso tio avô, Robertinha, Dona Leide, e alguns amigos da vó. Você não vai não?

- Vou sim, você vem comigo?

- Vou.

O corredor que levava ao quarto da avó tinha o pé-direito altíssimo e arqueado. Era como se caminhassem em direção à nave central de um templo áspero e sem Deus. A segunda porta recebia os dois primos para caminhar em direção às luzes das velas. Elas que, de fato, pareciam tremulinas solares pousando-se na superfície falsamente líquida das paredes. Mal entraram e os parentes, antes estáteis, já se removiam forçados pela novidade. A mãe, acompanhando as tremuras do fogo, abraçou, em seguida, o filho pela nuca, na esperança de trazê-lo de volta ao útero ancestral de suas angústias. Não se sentia forte o suficiente para tomar a posição da mulher que agora partia. Era, e sempre fora, a filha criada em favor do silêncio. A mais nova e de traços mais clássicos, a pecinha fundamental e dócil de que necessita toda família. Face apaziguadora das dores comuns e inatingíveis. Ninguém ali, de fato, saberia recobrar o senso estrito daquele "não" e tomar para si a autoridade latente da avó. O "não" pairava.

Lá estava a velha matriarca morta. Coagindo os galhos e as folhas a velarem seu tronco podre. O primo Jorge já se ausentava do segundo velório de suas vidas, e a família sempre aceitava os mesmos termos. Jorge estava ocupado em niterói administrando os negócios de que muitos ali dependiam. Acatavam na idéia de que as responsabilidades deveriam mesmo prevalecer no jogo de emoções, e de que a firmeza e austeridade eram símbolos de que a família havia enraizado seus valores. Era sensato que enquanto uns velassem a morte, outros garantissem o que ainda havia de sobrevivência.

Havendo restabelecido o silêncio veloso, um pássaro grande decidiu-se por arrebentar o crânio contra a vidraça principal que acolhia os restos da tarde para dentro da casa. Foi o único momento em que a atenção finalmente se voltara para fora, coisa rara e de instantes. Era preciso fazer entender ao pássaro que aquela estrutura era deveras resistente, e que não se podia tomar de assalto um ambiente familiar por pura ansiedade fugidia. O cimento daquele espaço era a dor dos tempos, e o quarto onde se dispunham era a própria morte. Pensava ele, que penetraria, no ímpeto de suas asas livres, aquele retrato teimoso de antigüidade?

O moço aproximou-se do corpo duro da avó, avaliou cada pedaço de simetria morta, cada detalhe de sua imagem austera, impedida agora de persistir em envelhecer. Caminhou mais uma vez com os dedos mimados a estranheza daqueles braços que seguiam úmidos. Queria entender qual dimensão de valor fazia daquela mulher resoluta obra de tamanho cuidado. Queria penetrar na estupidez da matéria bruta e retirar o que de sagrado morava naquela morte. Trancar as unhas naquele corpo vencido e de um sulco aberto se alimentar uma vez mais daquele vinho rústico.

Via em cada curva, em cada dedo achatado, em cada cicatriz levada ao sol, em cada orifício, e em cada proeminência, em cada passo lento, em cada gemido, o gosto daquele lugar. Em cada tapa estalado no dorso, em cada afeto dirigido ao incesto, um passado anterior ao passado, um passado absoluto, muito mais antigo que a família.

Aproximou-se, então, do ouvido da avó e sussurou cheio de piedade:

- Vó, seu neto é um comunista.

E como se a velha esboçasse qualquer reação de dentro de sua inexistência; como se ele mesmo a escutasse ruir aquela voz grave da garganta opaca. Como se sua mão se levantasse ainda uma vez para recobrar uma ovelha perdida:

- Não vovó, não estou abandonando a família. Não, não estou doente também. Não quero pão, não quero surra. Hoje é o primeiro dia da minha vida, e eu acabo de sair do teu útero eterno.




inspirado em Raduan Nassar,
para Sheyla.

4.9.07

Sorte do Orkut: O nosso primeiro e último amor é... o amor-próprio.

3.9.07

O seu lado é bom de estar do.
Nos últimos dias, quando eu te ligava e percebia que estava estranha, dizia estar concentrada demais num dado trabalho.

Agora eu entendo.

Quando dizia estar concentrada, queria de fato dizer, deveras sutil,
que na verdade se distraía de nós.

2.9.07

Não vou reclamar, vou ficar quieto.
Vou chorar baixo.

Não vou te fazer perguntas diversas,
sobre assuntos que se resolverão sozinhos.

Escolho o modo econômico de sentimentos.

Mas me diz, mulher, pelo amor de Deus.

Como é que eu faço para ter nossos filhos com outra pessoa?